Luta pela ciência ONG é aceita como amicus curiae em ação sobre célula-tronco por Ronaldo Herdy

6 de abril de 2007 by Izabel Gavinho

O Movitae — Movimento em Prol da Vida, que tem sede em São Paulo, foi aceito como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a validade de pesquisas com células-tronco embrionárias. A ação tramita no Supremo Tribunal Federal e foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República contra parte da Lei de Biossegurança (11.105/05). O ministro Carlos Ayres de Britto é o relator da causa.

O Movitae considera que as pesquisas oferecem uma perspectiva real de futuro tratamento para doenças graves que afetam milhões de pessoas e, por isso, luta pela validade da lei que regulamenta tais procedimentos.

A ONG bateu na porta do STF apoiada por entidades de peso, como a Associação de Diabetes Juvenil, o Grupo de Abordagem Mutidisciplinar da Terapia de Esclerose Múltipla, a Associação Brasil Parkinson e a Associação Brasileira de Distrofia Muscular. Duas outras organizações não governamentais — Conecta Direitos Humanos e o Centro de Direitos Humanos — já tinham sido admitidas como amicus Curiae na Adin.

Origem da vida

No documento que protocolou no Supremo, a entidade sustentou o pedido para ser parte do processo invocando seu estatuto, no qual se lê que uma de suas missões é acompanhar e participar da criação e implantação das leis que disponham sobre a melhoria da qualidade de vida de pessoas portadoras de doenças genéticas ou adquiridas.

A Lei de Biossegurança foi votada no Congresso há um ano. Por entender que a vida humana acontece a partir da fecundação, a Procuradoria-Geral da República recorreu ao STF sustentando que a nova legislação conflita com o artigo 5° da Constituição (direito à vida) e o artigo 1°, III (princípio da dignidade da pessoa humana).

O advogado carioca Luis Roberto Barroso, que representa a ONG, argumentou no processo entregue ao Supremo Tribunal que a Lei 11.105 estabeleceu condições para pesquisas com células extraídas de embriões, tais como que eles tenham tratamento in vitro (art. 5°), estejam congelados há mais de três anos (art. 5°, II), os genitores dêem seu consentimento (art. 5°, parágrafo 1°) e a pesquisa seja aprovada pelo Comitê de Ética da instituição (mesmo artigo, parágrafo 2°).

Após lembrar que a fertilização in vitro é feita no Brasil desde 1978, Barroso reproduziu na petição trechos de obras científicas mostrando que as células-tronco têm a capacidade de se converterem em distintos tecidos no organismo e de produzirem cópias idênticas de si mesmas. A seguir, o advogado apresentou números sobre a incidência de doenças na população brasileira, como a diabetes, que atingem cerca de 13 milhões de pessoas.

Para ele, Direito e Ética, que se aproximaram bastante nas últimas décadas, possibilitaram que a sociedade enfrentasse melhor os desafios dos avanços tecnológicos e das ciências biológicas. “O biodireito é um subsistema jurídico em desenvolvimento acelerado, voltado para o estudo da reprodução assistida, a clonagem terapêutica e reprodutiva, a mudança de sexo e as pesquisas com células-tronco. A Bioética, por sua vez, demarca as possibilidades e limites dos progressos científicos nesses domínios”. O encontro entre o Direito e a Ética se dá primeiro na Constituição, a partir daí se irradiando pelo sistema normativo.

Após sustentar o papel do Legislativo e do Executivo nesse contexto, Barroso enfatiza que a Lei da Biossegurança, em momento algum, viola o direito à vida e ao princípio da dignidade humana.

As diversas posições teóricas sobre o momento em que a vida se inicia fez Barroso recordar o desacordo moral que ocorre diante da falta de consenso entre posições racionalmente defensáveis. “É preciso reconhecer a inadequação do dogmatismo onde a vida democrática exige pluralismo e diversidade. Em situações como essa, o papel do Estado deve ser o de assegurar o exercício da autonomia privada, de respeitar a valoração ética de cada um, sem a imposição externa de condutas imperativas. A Lei de Biossegurança faz isso, ao estabelecer que pesquisas com células-tronco só devem ser feitas com o consentimento dos genitores.”

Depois de lembrar que a lei proibiu práticas como a clonagem humana e a comercialização de material biológico, o advogado carioca argumentou que a existência da lei tem a virtude de demarcar a fronteira entre o lícito e o ilícito.

Além disso, admitiu que o argumento contrário à utilização de células-tronco em pesquisas e tratamentos médicos é alimentado por um sentimento religioso. “Funda-se ele no pressuposto de que a vida teria início com a fecundação, fazendo a equiparação entre embrião e a pessoa humana. Como conseqüência, sua destruição para a realização de pesquisas e para o tratamento de outras pessoas representaria uma violação da vida. Não se deve desmerecer a crença de qualquer pessoa ou doutrina, mas no espaço público de um Estado laico, hão de prevalecer às razões do Direito e da Ciência.”

“A equiparação do embrião a um ser humano não é compatível com o direito brasileiro que já se encontrava em vigor antes mesmo da Lei da Biossegurança. Se a vida humana se extingue quando o sistema nervoso pára de funcionar, o inicio da vida teria lugar apenas quando se firmasse ou, pelo menos, começasse a se formar. E isso ocorre por volta do 14° após a fecundação. Não sendo o embrião uma pessoa, não há que se falar em dignidade humana.”

Segundo ele, “o tratamento dado à matéria pela Lei 11.105 somente permite a utilização de embriões fecundados in vitro para fins reprodutivos e que não tem a possibilidade de se tornarem seres humanos. Em outras palavras, restringe as pesquisas a embriões que não poderiam ser implantados no útero por não apresentarem as condições internas necessárias ao seu desenvolvimento posterior.”

A lei brasileira não permite que sejam utilizadas células-tronco extraídas de embriões produzidos exclusivamente para pesquisas. Esse quesito tem uma conseqüência ético-jurídica importante na visão de Barroso, ou seja, afastar a objeção antiutilitarista segundo a qual “o uso de embriões em pesquisas significaria tratá-los como meios para a realização das finalidades de outrem”.

“De fato, somente podem ser utilizados em estudos embriões que foram produzidos com o objetivo de serem implantados em um útero materno e de se tornarem no futuro seres humanos. Originalmente, a finalidade perseguida era a reprodução. Contudo, como a implantação não ocorreu, não há razões para que suas dificuldades não seja utilizadas para promover a vida.”

Barroso lembra, ainda, que o parágrafo 2º da Lei 11.105 garante que as células não sejam manipuladas de forma irresponsável ou caprichosa. Em outras palavras, ainda que se trate de embrião inviável ou congelado há mais de três anos, e ainda que os genitores tenham proferido a autorização, a aprovação do Comitê de Ética da respectiva instituição será exigida, para zelar por uma prática de pesquisa ética e conseqüente.

Para o advogado, uma adesão estrita à tese da inconstitucionalidade da pesquisa com células-tronco implicaria também negar a possibilidade da própria fertilização in vitro, “a não ser que se sustentasse a necessidade de que todos os embriões fecundados fossem implantados, o que não é possível”.

Ao longo do processo, Barroso insistiu sempre que a pesquisa com células-tronco embrionárias representa um perspectiva de tratamento eficaz para inúmeras doenças. “A Lei 11.105, ao vedar expressamente a clonagem humana, a engenharia genética e a comercialização de embriões, não viola o direito à vida, nem tampouco da dignidade humana. Embrião não se equipara a pessoa e, antes de ser transferido para o útero materno, não é sequer nascituro. Além disso, a nova legislação impede sua instrumentalização ao determinar que só possam ser utilizados em pesquisas embriões inviáveis ou não usados no procedimento de fertilização.”

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2006

 

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