Novas abordagens para doenças genéticas, baseadas na habilidade das células curarem-se sozinhas, serão apreciadas hoje (8/05/2006) na conferência anual da Sociedade Européia de Genética Humana em Amsterdã, Holanda.
Ao invés de substituir um gene defeituoso ( a terapia genética ) essa abordagem ‘inteligente’ lança mão do potencial terapêutico que já existe na biologia humana.
A Professora Brunhilde Wirth, do Instituto de Genética Humana, da University of Cologne, Alemanha, descreverá na conferência o trabalho de sua equipe no desenvolvimento de terapias para Atrofia Muscular Espinhal (AME). Essa é uma doença hereditária relativamente comum e é causa principal de mortes em crianças, numa incidência de 1 em cada 6.000 nascimentos. Devido `a degeneração dos neurônios motores na medula espinhal ocorre um enfraquecimento dos músculos das pernas, braços e tronco.
Pacientes com AME possuem os genes do neurônio motor (SMN1) deletados, mas todos carregam uma segunda cópia, os SMN2. Entretanto essa cópia consegue produzir somente 10% da proteína corretamente, o que é insuficiente para prevenir a doença.
O grau de severidade da AME é influenciado pelo número de genes SMN2 existentes, que normalmente variam entre 2 e 4. Quanto maior a quantidade melhor fica o paciente.
A equipe da Prof. Wirth identificou uma droga, o valproato, que é usada há décadas no tratamento da epilepsia, capaz de aumentar a produção da proteína SMN em até 2-4 vezes em culturas de células derivadas de pacientes com AME. Em seguida mostrou-se que o valproato também elevava os níveis de SMN em tecidos neuronais como os obtidos `a partir de culturas de fragmentos de cérebro de pacientes epiléticos submetidos a cirurgias, e de neurônios motores obtidos de culturas de células embrionárias de ratos.
O passo seguinte foi testar a terapia em pacientes, disse a Prof. Wirth. A primeira tentativa envolveu 10 pacientes com AME que já haviam sido tratados com o valproato por 4 meses. Vimos que a droga elevou significantemente os níveis de SMN no sangue. À partir desses dados , 20 pacientes com AME foram tratados com o valproato por seus próprios médicos particulares, e 7 deles obtiveram aumento de SMN2 no sangue. Com o uso de ‘biomarcadores’ esperamos conseguir distinguir quais pacientes de fato respondem à droga.
Os resultados demonstram que o valproato é capaz de exercer um efeito direto sobre a atividade dos genes SMN, disse a Prof. Wirth, mas ainda não está claro se a expressão do SMN no sangue reflete uma expressão no neurônio motor, e assim na força muscular.
Ela disse: “Esses testes iniciais deverão ser seguidos por estudos clínicos de fase II e III em pacientes com AME, mas infelizmente há pouco interesse da industria farmacêutica em testes clínicos de doenças raras. Entretanto os benefícios a longo prazo seriam uma melhor terapia que melhorasse a qualidade de vida dos portadores de AME, e também a introdução de exames neonatais para que a terapia tivesse início antes que os sintomas aparecessem”
Um outro estudo envolvendo o valproato será apresentado pela Prof. Aurora Pujol, do “Medical and Molecular Genetics Centre- IDIBELL and the Institució Catalana de Recerca i Estudis Avançats”, em Barcelona, Espanha. A Dra. e sua equipe estão tentando desenvolver novas terapias para a ADRENOLEUKODISTROFIA-X (X-ALD). Essa doença envolve um único gene no cromossomo X (o gene ALD) e é a doença hereditária de gene único mais comum que afeta a bainha-de-mielina, que isola os nervos do cérebro.
Usando um modelo animal (camundongo) da doença, a Dra. Pujol e seus colegas descobriram que uma proteína chamada ALDR (muito similar `a proteína ALD alterada da doença) poderia, se sobre-expressada, compensar a perda da proteína ALD e prevenir de desenvolvimento de sintomas neuro-degenerativos. Essa fantástica prevenção da doença durou ao longo dos 2 anos de vida do rato.
“Sabendo que uma classe de drogas chamada de “inibidores de histona-deacetilase” (HDAC) consegue estimular a expressão da ALDR em ratos e em culturas de células humanas, nos interessamos pelo trabalho da Prof. Wirth sobre o valproato, que pertence à classe das HDAC e penetra no cérebro”, disse a Prof. Pujol.
Os cientistas testaram o valproato e descobriram que ele poderia, de fato, induzir a expressão do gene ALDR em culturas de células humanas, nas de ratos e em amostras de cérebro. “Tratamos 8 pacientes de X-ALD com valproato via oral durante 6 meses” disse a Prof. Pujol. “Coletamos amostras antes do tratamento, aos 3 e aos 6 meses, e ao analisamos a quantidade de ALDR no sangue descobrimos que metade deles apresentavam um aumento.
Os cientistas pretendem agora mensurar o real marcador da doença: as longas cadeias de ácidos gordurosos nas células brancas do sangue e no plasma. Se os níveis se normalizaram com o valproato, eles esperam poder iniciar um teste clínico duplo-cego em colaboração com o Prof. Patrick Aubourg do INSERM, a agência Francesa para pesquisas médicas, no hospital Saint Vincent de Paul em Paris.
“O tratamento com o valproato poderia minorar os sintomas ou prevenir a neuro-degeneração, em especial no tipo da doença com início mais tardio”, disse a Prof. Pujol. “Atualmente não há terapia efetiva para essa doença devastadora, que pode causar perda visual, ataques, problemas na fala ou surdez devido à perda da bainha-de-mielina, levando crianças a morte, a terem problemas de locomoção ou de coordenação quando adultos.”
O Prof. Gert-Jan van Ommen, do “Centre for Human and Clinical Genetics, Leiden University Medical Centre” na Holanda, e seus colegas , dirão na conferência que a equipe do Dr. Judith van Deutekom e seu departamento, descobriram uma promissora terapia genética para a Distrofia Muscular de Duchenne.
Utilizando um tipo especial de molécula, as “anti-sense” (pequenos pedaços de RNA sintético que podem se ligar a seqüências específicas do gene que codifica a doença), o processo de codificação genética da proteína Distrofina pode ser manipulada de forma a que certas “unidades” ( os EXONS) possam ser “saltadas”. Dessa forma, a “leitura” da codificação pode ser retomada e a progressão da doença reduzida ou mesmo parada.
Em colaboração com o “Dutch biotech company Prosensa BV”, o “Duchenne Parent Projects” internacional, fundos governamentais e de caridade, a Dra J. van Deutekom e sua equipe iniciarão em breve um teste clínico baseado numa injeção intramuscular de dose única, da droga “anti-sense”, que induz ao salto do exon 51 do gene da Distrofia Muscular de Duchenne. Seis meninos alemães com DMD em idades entre 8-16 anos com mutação genética que é corrigida saltando-se esse ponto, participarão dos testes.
Esse teste em seres humanos está sendo embasado por testes anteriores feitos em modelo animal. A equipe utilizou-se do modelo animal (ratos) para estudar a dose ideal, e para estudos posteriores de níveis de “salto de exons”. Não foram encontrados efeitos adversos, e houve a restauração dos níveis de distrofina inclusive no coração.
O Prof. van Ommen disse: “Dentre todas as estratégias para combater a DMD, essa é a que mais se aproxima de uma real aplicação clinica. Os pacientes no teste foram previamente checados, e vimos os efeitos da droga anti-sense em suas células isoladamente e em cultura. Estamos otimistas que esse teste em pequena escala possa ser o precursor de um estudo clinico em mais larga escala, que por sua vez levará a um tratamento “de corpo inteiro” seguro e eficiente para pacientes com DMD. Atualmente não há terapia disponível para a doença, o que representa um gigantesco peso psico-social e econômico para pacientes, cuidadores e sociedade.
Tradução do original:
http://www.medicalnewstoday.com/medicalnews.php?newsid=42910