“Estamos no caminho certo” – Equipe da USP também faz experimentos com cães distróficos (09/12/2006) – entrevista da Prof.Dra. Mayana Zatz para a Revista da Fapesp.

9 de dezembro de 2007 by Izabel Gavinho

São Paulo – “Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), um dos Cepids (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão) financiados pela FAPESP, a geneticista Mayana Zatz estuda há mais de duas décadas a biologia molecular das doenças neuromusculares, em especial da distrofia de Duchenne, que atinge um em cada 2 mil nascidos vivos. Nesta entrevista, Mayana, que também é fundadora e diretora presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular, comenta os resultados animadores da tentativa de terapia celular relatada na revista Nature pelo grupo italiano e fala dos experimentos, também com células-tronco adultas, que seu grupo conduz na USP com cachorros que sofrem de distrofia.

Como a senhora analisa os efeitos dos tratamentos propostos no artigo da Nature?

Embora ainda modestos, os resultados sugerem que o tratamento da distrofia de Duchenne, ou de outras formas de distrofia, por meio do transplante de células-tronco adultas heterólogas, obtidas de um doador sadio, poderá ser possível. A ocorrência nos cães de uma reação imunológica modesta (ou seja, a rejeição ao material biológico externo transplantado não foi violenta) indica que talvez não seja necessário manter o sistema imunológico dos animais deprimido durante toda a sua vida. Parece ser possível recorrer à imunossupressão de forma leve e apenas temporária. Isso é um aspecto positivo dessa abordagem. O trabalho publicado reforça a idéia de que estamos no caminho certo e que talvez experiências com humanos possam ser realizadas antes do esperado. É, sem dúvida, uma luz muito importante no fim do túnel!

No experimento dos italianos, o transplante de células-troncos adultas dos próprios animais doentes, só que modificadas por um tipo de terapia gênica, não deu os mesmos resultados que o uso de células heterólogas, de doadores sadios. A senhora acredita mais na viabilidade dessa segunda abordagem?

Pessoalmente, acho que o transplante heterólogo vai ser melhor. Além de ser mais fácil, vai permitir que se trate todas os tipos de distrofia e não só a de Duchenne. No caso do transplante autólogo, que é uma combinação de terapia gênica e terapia celular, não houve melhora clínica e os animais tratados perderam progressivamente a capacidade para andar. Como o gene da distrofina, é gigantesco – tem mais de 2 milhões de pares de bases – os pesquisadores italianos inseriram nos mesangioblastos (um tipo de célula-tronco) um micro-gene da distrofina no qual são mantidas as partes fundamentais para que ele continue funcional. Mas essa abordagem, além de ser mais difícil de ser executada, não deu bons resultados.

A senhora acha que os resultados do estudo italiano são os mais promissores até agora obtidos por grupos de pesquisa que trabalham com distrofia muscular?

Diria que sim, porque o experimento deles é o mais próximo do que poderemos fazer com seres humanos.

Existem pesquisas semelhantes às dos italianos sendo realizadas no Brasil?

Nosso grupo, no Centro de Estudos do Genoma Humano (um dos dez Cepids financiados pela FAPESP), também tem trabalhado com cães da raça golden retriever com distrofia em colaboração com o grupo da Dra.Maria Angélica Miglino, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e com os doutores Irina Kerkis e Alexandre Kerkis, do Instituto Butantan. No momento, estamos submetendo 8 cães com distrofia a tratamentos com diferentes tipos de células-tronco e mantemos 7 cães doentes como grupo de controle, sem receber nenhum tipo de terapia. Alguns dos nossos animais também receberam imunossupressão leve e por pouco tempo. Outros não receberam nenhuma imunossupressão e não tiveram reação. Isso é muito positivo. Diferentemente dos italianos, não pretendemos sacrificar nenhum animal. Ao contrário, queremos que eles vivam muito. Portanto, nossa experiência pessoal permite uma análise profunda do trabalho dos italianos. Alguns aspectos do estudo deles nos chamaram a atenção. O primeiro foi a caracterização dos cães com distrofia. De acordo com a descrição publicada na Nature, os cães italianos morrem geralmente no primeiro ano de vida e perdem quase completamente a mobilidade e a capacidade para andar. Isso, no entanto, não aconteceu com nenhum dos oito machos de nosso canil, algo surpreendente porque todos eles possuem a mesma mutação.

As manifestações clínicas da distrofia nos seus cães diferem muito das relatadas pelo grupo da Itália?

Nos nossos cães, a distrofia apresenta uma grande variabilidade clínica: alguns animais afetados pela doença morrem nos primeiros dias ou semanas de vida enquanto outros podem sobreviver alguns anos e serem pouco afetados. Temos dois machos que, apesar de portadores da mutação, são tão pouco afetados clinicamente que recentemente puderam se tornar pais. cruzaram naturalmente com as fêmeas. Diferentemente do grupo italiano, nenhum dos machos afetados de nosso canil que chegou à idade adulta perdeu a capacidade de andar. Essa grande variabilidade clínica torna difícil avaliar os efeitos reais de um tratamento. Será que os animais estão melhores porque foram tratados ou porque existem outros genes ou fatores naturais que os protegem dos efeitos deletérios da mutação?

Seu grupo já publicou algum trabalho com os resultados dos experimentos com cães?

Ainda não publicamos nada, mas só trabalhamos com células heterólogas, de doadores sadios. Estamos usando outros tipos de células-tronco adultas, principalmente as mesenquimais, um tipo de célula-tronco que retiramos do cordão umbilical e também de outros tecidos. Mas há algumas questões para as quais ainda não temos resposta. Por exemplo, ninguém sabe quantos transplantes de células-tronco serão necessários para obter algum efeito. Em nosso primeiro experimento, demos uma dose única para ver o que acontece, mas ainda estamos analisando os resultados. Também não sabemos qual é a melhor via de injeção nem qual deve ser o intervalo entre as doses. Outro ponto em aberto é quando devemos começar o tratamento.

É possível avaliar se estamos a anos ou décadas de um tratamento efetivo para as distrofias?

Acho que estamos a anos, talvez menos tempo do que se imagina. De qualquer modo, vai ser importante acompanhar esses cães a longo prazo.”

Fonte:

* Revista Pesquisa Fapesp
* http://www.distrofiamuscular.net/noticias.htm

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