Por Dra. Ana Lúcia Langer
As Distrofias Musculares (DM) são miopatias primárias, caracterizadas pela degeneração progressiva e irreversível do tecido muscular devido a um defeito bioquímico intrínseco da célula. A consequência é uma fraqueza muscular progressiva e perda da capacidade motora.
Atualmente, estão identificadas aproximadamente quarenta tipos de distrofias musculares, que diferem entre si pelo mecanismo de herança genética, idade de início dos primeiros sintomas, envolvimento dos grupos musculares afetados e velocidade da progressão da doença.
A distrofia muscular de Duchenne, de herança recessiva ligada ao X, é a mais frequente das distrofias musculares, e das doenças genéticas letais da infância, com uma incidência de 1:3500 nascimentos do sexo masculino.
É causada por mutações em um gene gigantesco que é responsável pela produção de uma proteína, a distrofina, localizada na membrana da célula muscular. Nos meninos com DMD, esta proteína está ausente (ou em quantidades muito reduzidas) o que causa uma degeneração progressiva da musculatura e uma fraqueza também progressiva. Os meninos afetados geralmente perdem a capacidade de deambulação em torno dos 8 a 12 anos e ocorre uma deterioração da função de membros superiores com a progressão da doença. Junto com a perda da função, sobrevêm retrações, deformidades.
Apesar da severidade do quadro e da ausência de tratamento definitivo, está bem estabelecido que um bom acompanhamento clínico altera sobremaneira a evolução natural da doença, mormente quando iniciado em momentos precoces da vida da criança.
O principal defeito bioquímico da doença está na distrofina, proteína codificada pelo gene da DMD.
A distrofina é uma proteína alargada em forma de filamentos, localizada na superfície interna do sarcolema. A função da distrofina é a de possibilitar uma conexão da membrana celular, internamente, ao mecanismo contrátil da actina e aos filamentos de miosina e, externamente, com a membrana basal. A distrofina liga-se a um amplo complexo glicoprotéico que envolve o sarcolema e liga-se à lâmina basal, na matriz extracelular. Ela protege a integridade da membrana durante os processos de contração e relaxamento.
Fisiopatologia
A DMD caracteriza-se pela deficiência ou ausência de distrofina na superfície da membrana da célula muscular, também chamada de sarcolema. Está presente nos músculos lisos, esqueléticos e cardíacos.
Com a falta da proteína distrofina há um aumento da permeabilidade da membrana da célula muscular. Temos, então, o escape da enzima creatinofosfoquinase para fora da célula e, no sentido inverso, a entrada de íons cálcio. Estes, por sua vez, levam à ativação de proteases que culminarão com a digestão e morte celular. Os eventos seguintes são um processo inflamatório e de fibrose.
Portanto, o tratamento para DMD necessariamente deveria abordar esta complexidade de eventos fisiopatológicos.
Abaixo, coloco um pequena esquema das classes de medicamentos que deveriam compor o coquetel de drogas que juntas tratariam a doença:
Um outro tópico importante a ser enfatizado é o caminho que as medicações percorrem até sua comercialização. Existem as fases da pesquisa clínica que devem ser respeitadas por todos os serviços de excelência.
Problemas: reação imunológica ao vetor viral e à distrofina. Seria necessário o uso de imunossupressores por toda a vida?
Existe um vírus que é relativamente bom em infectar as células musculares e não é patogênico, os chamados vírus AAV. Infelizmente, o AAV é tão pequeno que o código genético de distrofina não cabe (o gene inteiro é ~ 500 vezes maior).Os cientistas, então, criaram uma microdistrofina contendo apenas os domínios essenciais desencapados. O código genético desta microdistrofina é suficientemente pequeno para caber no vetor de AAV.
No modelo do rato de Duchenne (camundongo mdx) o tratamento resultou em uma melhora da qualidade muscular e função.Quando um modelo de cachorro (Golden Retriever Muscular Dystrophy ou GRMD) foi tratado, houve uma resposta imune e as células infectadas com o AAV foram destruídas.
Houve um primeiro ensaio clínico: injeções locais no músculo do braço, realizado nos EUA (Mendell, XiaoXiao e Samulski). Os resultados iniciais mostraram que as injeções de AAV microdistrofina podem levar a uma resposta imune.
ExonSkipping
As peças que não contêm o código genético (íntrons) são removidas(“splicing“).
(A) Figura representando deleção do exon 50 que resulta em mutação do RNAm
Tratamento do stop codon
Todos os genes têm um sinal de partida e um sinal de parada para traduzir genes em proteínas. Às vezes, pequena mutação pode introduzir um sinal de parada prematura dentro do gene ( além do outro no final) e então parar a tradução da proteína.
Terapia Celular
Existem outras células-tronco presentes no sangue, nas paredes dos vasos sanguíneos e tecido adiposo que podem também participar na formação muscular. Estas células podem ser isoladas e expandidas em laboratório.Provavelmente são capazes de serem transportadas pela corrente sanguínea para os músculos, permitindo assim o tratamento do corpo inteiro.
O emprego de injeções periódicas de um tipo de célula-tronco mesenquimais (CTMs) obtidas do cordão umbilical de recém-nascidos combinadas com doses diárias de um fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1).pode ser uma alternativa promissora para o tratamento de distrofias musculares progressivas.
Nos tecidos humanos, o esquema terapêutico aumentou a expressão (ativação) da distrofina. Nos roedores diminuiu a inflamação e a fibrose dos músculos, mas não houve formação de novos músculos sadios.
Parece que se criou condições mais favoráveis para a preservação da funcionalidade da musculatura já existente.
“As células-tronco mesenquimais têm propriedades imunossupressoras” e reduz o risco de haver rejeição do material injetado.
A utrofina é uma proteína com características estruturais muito semelhantes à distrofina. Caso ela seja devidamente estimulada, através de sua expressão poderia fazer as funções da distrofina.
A – SMT C1100
– Aumenta a expressão da utrofina (via oral).Patrocinada pelaSummitTherapeutics e governo do Reino Unido.
B – Biglycan
Esta pesquisa é pré-clínica porém estudos pré-clínicos adicionais estão atualmente em processo.
– A melhor estimativa de tempo para ensaios clínicos está em torno de 12 a 18 meses
(Am. J. Pathol. 2010,176(4):1863-1877)TherapeuticPotentialofProteasomeInhibition in Duchenneand Becker Muscular Dystrophies
ElisabettaGazzerro, StefaniaAssereto, Andrea Bonetto, FedericaSotgia, Sonia Scarfì, AngelaPistorio, Gloria Bonuccelli, Michele Cilli, Claudio Bruno, Federico Zara, Michael P. Lisanti, and Carlo Minetti–Italy
Crescimento muscular e regeneração já foram demonstrados com IL-15, IGF-1 e inibição da miostatina
– Anticorpo monoclonal antimiostatina – não demonstrou bons resultados
– Drogas Inibidoras da miostatina- em desenvolvimento
A Folistatina é uma proteína que inibe a miostatina. O gene da folistatina foi injetado em ratos e macacos através de um vetor viral (AAV). Houve aumento da massa e força muscular.
B – ACE – 083 (Acceleron)
C – PF-06252616 – inibidor de miostatina da Pfizer
. estudo de Fase 2 concebido para avaliar a segurança, tolerabilidade, eficácia, farmacocinética e a farmacodinâmica.
D – BMS-986089 – inibidor de miostatina da Bristol-Myers Squibb
6-INFLAMAÇÃO E FIBROSE
Faz parte do processo fisiopatológico da DMD o processo inflamatório, o estímulo à fibrose. Daí a importância do estudo de drogas que combatam tais efeitos:
A – Corticosteróides
Suprimem o sistema imunológico a fim de reduzir a formação de tecido cicatricial, além de reduzir TGF beta 1 em camundongos mdx. Ações como aumentar a expressão da utrofina e estabilização das fibras musculares estão sob investigação.
Os corticosteróides devem ser tomados regular e cronicamente. Isto resulta em efeitos colaterais na maioria dos pacientes. Os mais comuns são o ganho de peso, depressão, problemas comportamentais, atraso no crescimento, atraso puberal, perda de massa óssea, hipertensão arterial, catarata.
Os efeitos colaterais podem ser reduzidos por um regime de tratamento “on-off”. Menos efeitos colaterais ocorrem com o deflazacort.
Possíveis mecanismo de ação:
B-Ht 100 (halofuginona liberação retardada)
C- Pirfenidona
D- Losartan
E- Resveratrol
(The FASEB Journal. 2012;26:823.12)
F- Flavocoxid
É umasubstância natural, com propriedades anti-inflamatórias e antioxidantesemcamundongos com distrofiamuscular .Houveredução da necrose e aumento da regeneração, melhora da função muscular, redução dos mediadoresinflamatórios e do estresseoxidativo, além da redução da Ck.
(Experimental Neurology, September 2009) Flavocoxidcounteractsmusclenecrosisand improves functionalproperties in mdxmice: a comparisonstudywithmethylprednisolone
Sonia Messina, Alessandra Bitto, M’hammedAguennouz, Anna Mazzeo, Alba Migliorato, Francesca Polito, Natasha Irrera, DomenicaAltavilla, Gian Luca Vita, Massimo Russo, Antonino Naro, Maria Grazia De Pasquale, EmanueleRizzuto, AntonioMusarò, Francesco Squadritoand Giuseppe Vita
G – Osteopontina (mdx)
H – Givinostat
I- VPB-15
USA – VBP-15 é uma droga anti-inflamatória que não apresenta os efeitos hormonais dos corticóides. O uso desta droga em camundongos com distrofia muscular aumentou a força e reduziu as alterações patológicas dos músculos. VBP-15 não demonstrou ter efeito imunossupressor, hormonal, e não interferiu no crescimento.
Estágio da pesquisa:
Fase 1 de ensaios clínicos em voluntários adultos saudáveis estão em andamento, e estudos de Fase 2a ainda em 2015.
J- MELATONINA
J Pineal Res. 2010 Mar 4. [Epubaheadofprint]Melatonintreatment normalizes plasma pro-inflammatorycytokinesandnitrosative/oxidative stress in patientssufferingfromDuchenne muscular dystrophy.
Chahbouni M, Escames G, Venegas C, Sevilla B, García JA, López LC, Muñoz-Hoyos A, Molina-Carballo A, Acuña-Castroviejo D
Espanha – melatonina é um hormônio produzido pelo organismo e que atua na regulação do sono e que apresenta propriedades anti-inflamatórias.
L-NFKBETA E TNF
NF-κB (fator nuclear kappa B) é um complexo proteico que está envolvido na resposta celular a estímulos como o estresse, citocinas, radicais livres, radiação ultravioleta, oxidação de LDL e antigéniosvirais e bacterianos. Em estudo em camundongos mdx os pesquisadores inibiram este fator utilizando a droga pyrrolidinedithiocarbamate (PDTC). Os animais tratados apresentaram aumento da força muscular e redução da degeneração dos músculos.
Fator de necrose tumoral (TNF) é uma citocina envolvida em inflamaçõessistêmicas e é um membro de um grupo de citocinas que estimulam a reação de fase aguda. O fator de necrose tumoral causa a morte apoptótica da célula, proliferação celular, diferenciação, inflamação, combate tumores e replicação viral.
– cV1q é um anticorpo monoclonal anti TNF (fator de necrose tumoral); camundongos com distrofia muscular e submetidos a exercícios voluntários e tratados com anticorpo cV1q apresentaram redução da necrose muscular, redução da CK no sangue e aumento da capacidade de andar.
7-ANTIOXIDANTES
– Com a redução do estresse oxidativo, reduziria a formação de cicatrizes principalmente no tecido cardíaco. Numa pesquisa multicêntrica 13 pacientes foram tratados com idebenone por 52 semanas e 8 foram incluídos como controle. Os pacientes tratados apresentaram melhora da função cardíaca.
– Estudo de Fase 3 foi concluído com 64 pacientes randomizados, idades 10-18 anos, sem uso de glicocorticoides.Os resultados do estudo demonstraram que DELOS Catena® / Raxone® reduziu significativamente o declínio anual em Pico de fluxo expiratório em 66% em comparação com os doentes que usaram placebo. The Lancet (Buyse et al, 2015; 385:. 1748-1757)
Chá verde
Um problema seria a quantidade de chá verde necessária por dia: cerca de 15-25 litros e a cafeína teria uma série de efeitos indesejados. A solução seria oExtrato de chá verde descafeinado. O componente principal é o epigalocatequinagalato, que também foi testado no modelo de camundongo mdx, com resultados muito promissores (UrsRuegg, Genebra, Switserland).
8-NOS (ÓXIDO NÍTRICO SINTETASE)
A deficiência da enzima óxido nítrico sintetase leva à diminuição da produção de óxido nítrico. Com isso há menor vasodilatação e uma isquemia crônica do tecido muscular. O óxido nítrico também acumularia outras funções, entre elas o estímulo às células satélites, precursoras do tecido muscular, efeito antiinflamatório e antiradicais livres.
Animais tratadosmolsidomine, um droga doadora de óxido nítrico, apresentaram melhora da membrana muscular com menor grau de degeneração muscular e sinais de regeneração.
Um estudo piloto em pacientes não-ambulantes com Becker ou Duchenne ou distrofia muscular do tipo cinturas mais dois estudos de fase I em voluntários saudáveis mostrou que a droga é segura e tolerável com a melhora em algumas das medidas estudadas.
A droga tadalafil, comercializada com o nome Cialis e utilizada para tratamento de disfunção erétil. O objetivo é aumentar a quantidade de óxido nítrico, importante vasodilatador e com papel importante na proteção da célula muscular. Trialcom Tadalafil em DM de Becker está em fase 3 e deve finalizar em 2015. Resultados serão divulgados em 2016.
9 – VEDANTE CELULAR
A – Poloxamer, é um vedante da membrana celular, algo como um cimento que protege as células lesadas que tem sido estudado há quase 10 anos no tratamento da distrofia muscular;
10-TAMOXIFENO
11- ADIPONECTINA
12 – modulador seletivo do receptor de andrógeno (SARM)
Moduladores seletivos do receptor de androgênio (SARMs) têm sido desenvolvidos para imitar os efeitos da ação muscular dos androgênios (testosterona), sem os seus efeitos secundários indesejáveis.
A – DT 200
13 – ESTABILIZADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO
A – ARM210 (ARMGO Pharma, Inc)
B – AT-300 (AkashiTherapeutics )
14 – RIMEPORIDE
15 –TAURINA
Pacientes com distrofia muscular tem uma disfunção mitocondrial em suas células musculares caracterizados pelo estresse oxidativo elevado (com o aumento da produção de radicais livres) e de produção de energia reduzida. Uma diminuição no teor de taurina aumentou a susceptibilidade ao estresse oxidativo
A – EPLERENONE
Eplerenone pertence a uma classe de medicamentos chamados antagonistas da aldosterona, que funcionam bloqueando os receptores para o hormônio aldosterona no interior das células. O eplerenone foi usado com sucesso para tratar a fibrose em pacientes cardíacos adultos. Além disso, em modelos de camundongos mdx, resultou em função melhorada e reduzida formação de cicatrizes do coração.
Estudo duplo-cego, ou seja, os pacientes e os médicos não sabiam quem estava tomando a droga eplerenone, 25 mg. Os pacientes faziam uso de outras drogas para proteção cardíaca com inibidores da ECA ou bloqueadores dos receptores da angiotensina 2. Vinte meninos receberam a droga e 20 receberam placebo. Os efeitos colaterais nos meninos tratados foram mínimos. Os pacientes que receberam eplerenone tiveram significativa menor redução da função cardíaca em comparação com os que não receberam,
(Lancet Neurology, 2014) Eplerenone for earlycardiomyopathy in Duchenne muscular dystrophy: a randomised, double-blind, placebo-controlledtrial
Subha V Raman, Kan N Hor, WojciechMazur, Nancy J Halnon, John T Kissel, Xin He, TamTran, Suzanne Smart, Beth McCarthy, Michae l D Taylor, ohn L Jeff eries, Jill A Rafael-Fortney, JeovannaLowe, Sharon L Roble, Linda H Cripe – USA
Medicação não disponível no Brasil, mas, segundo especialistas, seus resultados poderia ser extrapolados para a espironolactona.
17 – EPICATEQUINA
PRINCIPAIS ESTUDOS E FASES ATUAIS